Tratamento da Mielopatia Espondilótica Cervical

O tratamento cirúrgico da mielopatia espondilótica cervical está indicado quando os sintomas e sinais de compromisso medular forem graves e/ou progressivos. A cirurgia consiste na descompressão da medula e tem o objetivo de parar a progressão dos sintomas e irá permitir uma melhoria do quadro clínico. No entanto, nem sempre ocorre uma recuperação neurológica total e por esse motivo é fundamental que a descompressão medular seja realizada antes que surjam lesões irreversíveis na medula e se instalem défices neurológicos graves.

Existem situações em que o tratamento cirúrgico é controverso e deve ser discutido com o médico assistente: casos de compressão medular ligeira ou moderada, sem sintomatologia, e casos de lesão medular, sem compressão significativa e sem sintomas evolutivos.

A descompressão cirúrgica do canal raquidiano pode ser feita por via anterior, com discectomia e/ou corpectomia e artrodése anterior, ou por via posterior, com laminectomia e/ou artrodése posterior.

O processo de decisão da escolha de abordagem depende dos seguintes fatores:

  • Idade: nos doentes mais novos é preferida uma abordagem anterior e nos mais idosos uma abordagem posterior;
  • Compressão medular: se a compressão é anterior, provocada por uma hérnia discal ou debrum osteofitário, deve ser feita uma abordagem anterior, se a compressão é posterior, por espessamento do ligamento amarelo, a abordagem deve ser posterior;
  • Número de níveis de compressão: se a compressão ocorre a 3 ou mais níveis a abordagem deve ser posterior;
  • Curvatura da coluna cervical: se a coluna cervical tem uma boa lordose a abordagem deve ser posterior, mas se a curvatura é cifótica a abordagem deverá ser anterior.

Abordagem posterior – laminectomia

Para uma adequada descompressão da medula cervical por via posterior deve ser realizada uma laminectomia que implica a remoção dos elementos posteriores da vértebra, laminas e apófises espinhosas.

Neste procedimento é necessário ter o cuidado de não lesar as apófises articulares para evitar uma instabilidade intervertebral.

Nos casos em que se prevê a ocorrência de instabilidade ou tendência para uma deformidade cifótica deve ser realizada uma fixação posterior com parafusos às massas laterais (apófises articulares)

Neste tipo de intervenção o internamento é de 48 horas, não é necessário o uso de colar cervical e o período médio de recuperação para retorno à vida ativa é de 60 dias.

Complicações das abordagens posteriores

A complicação mais frequente é a existência de dor e dormência nos membros superiores, devido à inflamação as raízes nervosas que resulta da manipulação cirúrgica.

A ocorrência de contusão medular ou radicular que provoque um agravamento dos défices neurológico é rara.

Doente com mielopatia espondilótica cervical tratado com abordagem posterior: laminectomia entre C3 e C7.

Abordagem anterior

A intervenção cirúrgica é feita com anestesia geral e com uma abordagem anterior da coluna cervical. É feita uma pequena incisão na pele na região cervical anterior, dissecam-se os planos pela face interna do músculo esternocleidomastóideo, entre a traqueia e o esófago e o feixe vasculo-nervoso (artéria carótida, veia jugular e nervo vago), de forma a atingir a face anterior dos corpos vertebrais. Depois de localizado o espaço a intervencionar, é removido o disco intervertebral na sua totalidade e os fragmentos discais que estão extrusados para dentro do canal raquidiano e que são responsáveis pelo compromisso neurológico. Habitualmente é necessário remover as saliências ósseas da parte posterior dos pratos vertebrais, osteófitos, que também contribuem para a compressão medular. Quando a compressão medular ocorre em vários níveis pode ser necessária a realização de uma corpectomia para descomprimir adequadamente a medula. Para finalizar no espaço criado é colocado um espaçador e/ou enxerto ósseo tricorticado de crista ilíaca, com o objetivo de manter o correto alinhamento e suporte vertebral, e promover a fusão entre os corpos vertebrais. Como complemento da fusão intervertebral pode ser colocada uma placa de fixação intervertebral anterior, especialmente, quando a descompressão se fez a vários níveis.

Neste tipo de intervenção o internamento é de 24-48 horas, é necessário o uso de colar cervical permanentemente durante 2 semanas, se não for colocada placa anterior, e o período médio de recuperação para retorno à vida ativa é de 60 dias.

Complicações das abordagens anteriores

A mais frequente é a dor e dificuldade em engolir durante alguns dias.

Mais raramente pode ocorrer disfonia transitória por lesão no nervo recorrente laríngeo.

Muito raramente podem ocorrer lesões vasculares (artéria carótida e veia jugular), lesões do esófago, disfonia permanente por seção do nervo recorrente laríngeo, lesão dural com fístula de líquor e contusão medular ou radicular.

A curto prazo podem também ocorrer situações relacionadas com os implantes: deslocação da placa e, migração anterior ou posterior do espaçador intervertebral.

Doente com mielopatia espondilótica cervical e grave compressão medular entre C5 e C7 tratado por via anterior; corpectomia de C5 e C6 e artrodése anterior com enxerto de ilíaco e placa anterior entre C4 e C7.

Evolução

O resultado esperado da cirurgia da mielopatia espondilótica cervical é o alívio da dor cervical e dos sintomas de mielopatia, isto é, a dormência ou a falta de força do membros e a dificuldade na marcha. É frequente a persistência de alguma dor cervical que pode estar relacionada com a existência de alterações degenerativas a nível dos discos e das articulações, alterações posturais ou insuficiência muscular.

Em alguns casos, uma via de abordagem não é suficiente para resolver a situação e pode ser necessária uma abordagem combinada, anterior e posterior, para descomprimir a medula. Este procedimento pode ser feito no mesmo ato cirúrgico, ou mais tarde se se verificar que é necessário.

Com o passar dos anos pode verificar-se um novo agravamento do quadro neurológico, por estenose do canal no nível adjacente à área de intervenção anterior. Esta situação ocorre com maior frequência nos doentes operados por via anterior porque a extensão da intervenção é mais limitada e também porque se faz uma artrodése intervertebral. Neste caso deverá ser ponderada a extensão da abordagem anterior ou a realização de uma laminectomia cervical.

Os doentes submetidos a intervenção cirúrgica à coluna vertebral podem sempre vir a desenvolver novas queixas por doença degenerativa de um segmento adjacente.

Outra evolução desfavorável é a pseudartrose, isto é, a ausência de fusão óssea intervertebral que pode provocar uma inflamação crónica e dores cervicais incapacitantes. Esta situação obriga a uma revisão da artrodése.

Nas abordagens posteriores, as evoluções desfavoráveis podem ser a ocorrência de uma deformidade cifótica que é rara na minha experiência.